Levou muito tempo, mas finalmente precisei usar uma sessão de terapia para falar da J.K. Rowling. Coincidiu com esses dias em que tenho me desfeito de várias coisas materiais e emocionais, entre elas meus colecionáveis de Harry Potter.
O box com capa bonita.
As edições em inglês.
Os livros extras.
O box dos filmes com 31 discos1.
E, por fim, os autógrafos do Daniel Radcliffe e da Evanna Lynch que recebi depois de mandar uma cartinha pros estúdios Leavesden na época das gravações de Ordem da Fênix em que ser fã de Harry Potter fazia sentido.
A depressão é muito mais frequente na minha vida do que a ansiedade, mas quando estou ansioso, uma das coisas que me ajudam a melhorar é me desfazer de coisas materiais que não têm mais sentido pra mim.
Meus livros geralmente são os alvos, e isso acaba se tornando uma via de mão dupla. É bom me livrar daqueles livros que não pretendo reler ou que não me causaram uma impressão forte. Ao mesmo tempo, tirar os livros da estante é atacar a mim mesmo. É arranhar minha própria pele. É dizer Seu idiota, tu realmente achava que isso aqui era importante? Que uma estante cheia de livros te faria feliz? Que afastaria a depressão?
Imagina quando os livros em questão são os livros de Harry Potter.
Imagina arrancar de mim as histórias que eram meu oxigênio.
As histórias que me fizeram sonhar.
As histórias que são a própria fundação dessa estante de livros.
Uma vez, quando eu era adolescente, meu pai falou que eu ia crescer e perceber que Harry Potter é pura bobagem. Que eu não ia me importar com mais nada daquilo porque adultos não dão bola para fantasia. Eu sempre me surpreendo ao perceber que deixei mesmo de me importar com Harry Potter, embora não pelos motivos que meu pai imaginava.
O motivo começa com J.K. e termina com Rowling. Eu amava os livros de Harry Potter, eu me inspirava na autora que os escreveu. Mas não dá pra continuar se inspirando numa pessoa que, depois de ter ofendido tanta gente, jamais foi capaz de publicar um único pedido de desculpas. Uma pessoa que deixou de respeitar o amor que as pessoas tinham pela história dela e desdenha de qualquer um que tente explicar que o ponto de vista dela é errado, maldoso, transfóbico.
E não dá pra separar uma história linda de uma pessoa feia.
Cada livro que se vai, seja de Harry Potter ou não, é uma parte importante de mim que não vai mais voltar. É isso que eu sinto. E que coisa assustadora é esse processo de tirar os livros da estante e começar a enxergar a parede vazia atrás deles.
É exatamente o que eu tenho feito nas últimas semanas, na minha estante e dentro de mim: arrancando coisas até enxergar o vazio.
O vazio me assusta, mas também me anima. Ele pode ser preenchido.
Mas preenchido com o quê? Eu me pergunto isso todos os dias.
Sinto a mudança acontecendo dentro de mim. Não sei quando começou, nem quando vai terminar. Só tenho medo de estar mudando para uma versão de mim mesmo que não gosta mais de escrever.
Coisas que eu gostaria de fazer
Revisar meu original middle grade com árvores falantes.
Publicar meu romance contemporâneo, que é a obra mais completa que tenho até o momento.
Escrever as sequências de A estrada infinita, uma das quais já planejei capítulo a capítulo.
Terminar o roteiro audiovisual da primeira parte de A estrada infinita.
Escrever minha releitura de Peter Pan, a qual sempre imagino como sendo meu próprio Percy Jackson.
Coisas que eu quero fazer nesse momento
Nada.
Nesse momento, abomino a ideia de escrever. Essa newsletter por si só já é um esforço sobre-humano. Entrar de cabeça numa história, então? É como tentar respirar embaixo d’água.
Estou exausto da solidão da escrita.
Estou exausto do esforço que é preciso fazer para ser lido.
Exausto de estratégias de divulgação, da necessidade de engajar pessoas.
E, no meio desse cansaço todo, eu desaprendi a escrever para mim mesmo. Escrever para me divertir, sabe? Para ficar feliz. Eu desejava tanto ser lido e, no momento em que isso começou a acontecer, parece que estraguei tudo dentro do meu coração e da minha cabeça.
Quero voltar a escrever para mim, antes de tudo. Meu fluxo de pensamentos despejados num caderno é a boia salva-vidas que joguei num último esforço de tentar manter viva essa parte de mim. E, bem, essa terapia em forma de newsletter também é parte do esforço.
Tenho algumas histórias escritas que vão ser publicadas nos próximos meses, e quero — preciso — encontar energia pra divulgar elas com o empenho de sempre.
Depois disso? Não sei.
Ainda preciso preencher o vazio.
Porra, quem coloca 31 discos num box com 8 filmes?