Antes de se aposentar, meu pai trabalhava como eletricitário. Tinha dias em que ele chegava de viagem fora do horário do expediente, deixava a mala em casa e me convidava para ir com ele devolver a caminhonete da empresa.
Óbvio que eu aceitava. Uma subestação elétrica vazia pode ser palco de muitas aventuras para uma criança.
Lembro que um dos espaços era como uma oficina gigante, de pé direito altíssimo. Do teto pendiam várias passarelas de metal vazado, onde os funcionários subiam para fazer todas coisas misteriosas que eletrecitários fazem. Para chegar lá era preciso subir uma escada de ferro que ficava colada à parede, metros e metros de barras horizontais compondo uma subida perfeitamente vertical.
Eu morria de vontade de subir aquela escada, então era isso que eu tentava fazer toda vez que visitava o trabalho do meu pai: vencer aquela subida impossível, fascinante, tão perigosa e ainda assim tão ao meu alcance.
Meu pai não via problemas em me deixar subir. Ele confiava que eu não seria burro de me soltar quando estivesse lá em cima. Hoje, até posso me imaginar ficando tonto durante a subida e me soltando, ou travando na metade, incapaz de subir ou de descer, mas na época… meu pai simplesmente botava muita fé em mim. É só segurar firme e nunca se soltar. Era o que bastava pra eu continuar tentando.
Só que: eu nunca cheguei ao final da escada. A quatro ou cinco metros do chão, meu senso de autoproteção falava mais alto. Eu olhava para o lado, dava uma espiada para trás, achava aquela altura toda muito incrível, mas sentia que mais alto seria muito perigoso quando a única coisa que me separava do chão eram meus dois punhos fechados. Então eu descia, e sentir o concreto sob meus pés de novo gerava uma onda de alívio e segurança. Lembro de olhar para a palma das minhas mãos e vê-las sujas por causa do ferro, mais ou menos como as mãos do meu pai sempre ficavam.
O ponto aqui é que não é de hoje que eu desisto de algumas coisas, mesmo sendo plenamente capaz de chegar até o final delas. Só nesse ano, desisti do curso de Educação Física depois de uma semana, do curso de UX/UI Design depois de duas aulas e do conto que estava escrevendo para um concurso da Amazon depois de 3000 palavras.
Apesar disso, meu pai nunca parou de acreditar em mim. Não vai subir até o final da escada? Tudo bem, tu vai fazer outra coisa tão incrível quanto.
Um tempo atrás, falei pra ele sobre minha vontade de fazer uma campanha de financiamento coletivo para publicar meu primeiro romance. Faz o livro, disse ele. O pai te ajuda. Ele falou com tanta convicção e tanto entusiasmo, que a partir daquele dia eu comecei mesmo a planejar a campanha. E já tá tudo mais ou menos encaminhado, o que é um bom indício de que eu não vou desistir.
Às vezes, fico me perguntando de onde vem toda essa fé que meu pai tem em mim. Na maioria das vezes, não me sinto merecedor dela. Quando penso na cota de decepções que já trocamos um com o outro (como todo pai e filho, assuntos para outra newsletter a terapia), é difícil entender como chegamos até aqui.
Mas acho que tem a ver com aquela escada. Ela é a síntese do que meu pai tem sido pra mim: alguém que, apesar das minhas tentativas frustradas, continua proporcionando as condições ideais para que eu tente de novo.

Desde que comecei essa newsletter, as coisas melhoraram um pouco no que diz respeito à minha escrita. Publiquei Bisão-nascente, comecei a planejar a campanha para o meu primeiro romance, e estou escrevendo a continuação de A estrada infinita.
As duas primeiras coisas só foram possíveis graças ao trabalho de anos anteriores, então não é como se eu tivesse voltado ao meu ritmo normal. Mas escrever a parte 2 da Estrada é algo novo. Resolvi tentar escrever à mão e isso me fez muito bem. Também tenho escrito fora de casa — já sei quais cafeterias da cidade servem um bom café e quais só oferecem mesmo um espaço bonito.
Artur, Joel e Camila1 continuam muito vivos dentro de mim. Estou descobrindo do que se trata essa nova história bem aos pouquinhos, no ritmo de uma caminhada tranquila no final da tarde.
E, por enquanto, isso é suficiente.
E a dona Agnes. Com certeza a dona Agnes.